Manual de Sobrevivência para Corações (Ainda) Partidos.
Dicas Para Sobreviver ao Dia dos Namorados Sem Morrer de Amor.
Não pensava escrever sobre este dia. Para quê? Para mim, o Dia dos Namorados é só mais um negócio disfarçado de romance. Quem namora não precisa de avisos de calendário. E quem está sozinho — sem querer estar — sente-se ainda mais só.
Nos meus tempos de solteira — sobretudo naqueles em que não queria estar — o peso deste dia fazia-se sentir. Organizava jantares Titanic das "encalhadas": risotas infinitas, uma pandilha de solitárias que sabiam que, nesse dia, não jantariam à luz das velas, nem comprariam lingerie vermelha da Tezenis — mas também não as receberiam.
Sabemos todos de cor como depressa nos perdemos de amores, mas ninguém nos ensina a medida do tempo que leva a esquecer alguém. Estar só, para mim, sempre foi um bom estado de estar. Mas há momentos em que estamos sozinhos não por escolha, mas, porque o coração partiu-se. E é para esses momentos que escrevo — para todos cujos corações, teimosos, ainda sonham por quem já se foi.
Ao desgosto, podemos até mover-lhe ações de despejo. Podes atirar-te a maratona de séries e gelados Santini, valentes noites de copos ou segundos saldos da Zara. E, mesmo assim, quando o sol se põe ou quando na rádio passa aquela música, olhas para dentro e dás-te conta de que os ex-amores continuam lá. Resistentes, como piolhos.
Como fazer então para esquecer? Talvez começar por onde devem começar todas as coisas: com o verbo aceitar. Não há atalhos para a dor. Nem para a vida. Não há alegria sem tristeza, verão sem inverno, nem amor sem desamor. Faz parte de um plano que não nos cabe compreender, apenas aceitar.
Li que devemos chorar por sete dias e sete noites. Absorver as lágrimas em papel higiénico e despejá-las na sanita. Certos desamores (e outros desconfortos) só se vão quando carregamos várias vezes no autoclismo. Se sete não forem suficientes, chora múltiplos de sete. Afinal, são todos primos (os números). O que conta é a repetição.
Se não resultar, troca o higiénico pelo vegetal. Daquele de bolos. Junta as lágrimas à massa e faz bolachas em forma de coração. Verás que, ao sair do forno, umas estão partidas, outras inteiras. Mas lá está, os corações partidos não são menos saborosos do que os inteiros. Apenas, vistos de fora, podem parecer menos bonitinhos. Mas, por dentro, continuam a ser quem são.
Mesmo que faça sol, trabalha o cinzento que tens dentro. Como um pão da Gleba, sem fermento, que é para não ficares com barriga. Para desaires, já basta a tristeza. E essa malvada só nos desampara a loja quando se entristecer também. Com paciência e um pouco de fé, vais lidando com ela. A fé não costuma falhar. A paciência, também não.
Finge, então, dizendo à tristeza que é muito bem-vinda. Não a maltrates! Priva-lhe de alimento, ao contrário da barriga, que só se vai embora com descuido. Ouve todas as óperas de Puccini, escuta em repeat o Köln Concert, Max Richter e Ólafur Arnalds e, nos dias piores, as baleias do Roberto Carlos. Pronto.
Faz maratonas cinéfilas e de livros. O importante é que vivas outras vidas, mesmo que (ficcionadas). Verás que um coração partido é tão comum quanto um inteiro. E desconfia sempre dos que dizem que nunca sofreram por amor. Ou é mentira redonda, ou não sabem o que perdem.
Acredita em milagres, sim, mas, por agora, cuida bem de ti. Fiar-te na Virgem e não correres só perpetua a dor. Vais, então, descobrindo e aprendendo, através de outras histórias, a tecer a tua. Porque curar um coração também é renascer.
Mima-te. Até a tristeza se rende a pata negra, queijo Gouda de 1000 dias de cura — e, claro, a uma fatia generosa de bolo de cenoura cheia de frosting. Sopas e quinoa? Isso é para outros dias.
Caminha. A vida tem outro ritmo a pé, sobretudo junto ao mar. A Calcanhotto bem sabia quando cantava: Se fosse marinheiro, o coração ligeiro não se teria partido. Ou, se partisse, colava com cola de maresia e amava e desamava, sem peso e com poesia. É certo que, na mesma música, também canta: um amor em cada porto, mas isso já é assunto para outro texto.
A verdade é que, quando um coração se parte, demora a perceber-se inteiro outra vez. Mas não entres em pânico — conjugar os verbos no gerúndio leva tempo. E escrevo-te isto porque sei que há coisas que até o tempo consegue curar.
O tempo… e um mini cão de olhos meigos e felizes.